Extrema pobreza tem alta de quase 10% em Minas Gerais neste ano

Dados do CadÚnico do governo federal apontam que mais de 2,9 milhões de pessoas vivem com renda mensal de até R$ 89 no estado. Pesquisa da UFMG mostrou que insegurança alimentar está presente em 59,5% dos domicílios atualmente

Retrato dos efeitos devastadores causados pela pandemia da Covid-19 nos lares de muitos brasileiros, Deisiane Magalhães, de 32 anos, viu os pedidos de bordados em panos praticamente desaparecerem. Sem o trabalho que ajudava a complementar a renda e com seis filhos entre 2 e 16 anos dentro de casa, restou apenas o dinheiro do Bolsa Família, que todo mês é usado integralmente para pagar o aluguel no bairro Maria Goretti, região Nordeste da capital.

“Como tenho um filho de cinco anos que tem transtorno de personalidade, ele não pode ficar sozinho e por isso não consigo sair para trabalhar. Faço os bordados em casa, mas hoje em dia fico até mais de um mês sem vender. Antes, serem aparecia um cliente”, contou. Sozinha, Deisiane precisa criar os filhos e o maior desafio todos os dias é proporcionar a alimentação. “Eu só vivo com base nas doações das pessoas, que vão me dando as coisas. Arroz e feijão sempre consigo, mas a carne, verdura, pão e leite não”, acrescentou.

E a realidade da família da dona de casa é cada vez mais comum em Minas Gerais. Conforme dados da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), com base do CadÚnico do governo federal do mês de maio, quase três milhões de mineiros estão na extrema pobreza – o número corresponde a 13,9% da população. Em 2020, quando a pandemia começou, eram 2,7 milhões de pessoas que viviam com uma renda familiar per capita mensal de até R$ 89 –  quase 14% dos mais de 21 milhões de habitantes do estado. O crescimento foi de quase 10% em pouco mais de um ano.

Esse valor não é suficiente para comprar um botijão de gás por mês, que já chegou na casa dos R$ 100 na região metropolitana, e três pacotes de arroz de R$ 30. “A situação piorou demais. Supermercado para mim é luxo”, relata. O pesquisador da Fundação João Pinheiro (FJP) e doutor em ciência política, Bruno Lazzarotti, lembrou que os dados do IBGE apontaram que só no ano passado a perda de renda entre os 40% mais pobres da população na Grande BH ultrapassou 27%. Já entre os 10% mais ricos, o índice não chegou a 5%.

“A pandemia atingiu fortemente os setores mais vulneráveis da sociedade, deteriorando ainda mais suas condições de renda. Isto se torna mais grave porque, no período registrou-se, um aumento significativo nos preços de gêneros de primeira necessidade , que têm um peso proporcionalmente mais alto no conjunto das despesas dos mais pobres”, pontuou. Para o especialista, o auxílio emergencial evitou que ainda mais pessoas fossem para a pobreza. Mas, com o fim do pagamento de R$ 600, os números voltaram a subir.

Além disso, Lazzarotti acrescentou que a tendência de queda na miséria entre a população brasileira foi interrompida a partir de 2016, quando voltou a subir. “O que os dados mostram é que 2019 termina com uma taxa de pobreza já bastante elevada, de 26,4%. A entrada em vigor da versão “cheia” do auxílio emergencial teve um grande impacto nesta taxa e, em setembro de 2020, quando apresentou os maiores valores e cobertura, a taxa chegou a menos de 16%. A redução do valor do auxílio emergencial, porém, já produz a reversão desta queda a partir de outubro e novembro, quando a pobreza já havia retomado o patamar de 20%”, argumentou.

Insegurança alimentar afeta mais da metade dos lares no Sudeste

Reflexo direto do empobrecimento da população e da alta no preço dos produtos básicos, a insegurança alimentar é grave e chega a afetar 53,3% dos domicílios no Sudeste em plena pandemia – a média brasileira é de quase 60%. É o que apontou uma pesquisa da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, em parceria com a UFMG e a UnB. Entre as casas em que as mulheres são chefes de família, como a Deisiane Magalhães, a situação é ainda pior: falta comida em quantidade ou qualidade para quase 74% dos lares.

Os dados revelaram ainda que nos domicílios que recebem o Bolsa Família, o índice é de incríveis 88%. A pesquisadora do Grupo de Estudos, Pesquisas e Práticas em Ambiente Alimentar e Saúde da UFMG e doutoranda em saúde e nutrição, Melissa Luciana de Araújo, explica que há três níveis de insegurança alimentar: leve, moderada e grave essa última realidade em 15% dos domicílios brasileiros. “Tem relação com a ausência pelo indivíduo de acesso a uma alimentação, em quantidade e qualidades adequadas, de forma regular, que respeitem  as necessidades individuais, a cultura e diversidades da população”, frisou

Os resultados indicaram ainda que o consumo de alimentos saudáveis caiu drasticamente no país. Item que se tornou luxo na mesa de milhões de pessoas, a carne teve a maior redução, de 44%, seguida pelas frutas (41,8%), queijos (40,45), hortaliças e legumes (36,8%). Na contramão desses alimentos, está o ovo, que teve um aumento na frequência de consumo de 17,8%. 

“Este aumento pode estar relacionado à substituição do consumo de carne, alimento que sofreu a maior redução de consumo. Entre os entrevistados em situação de insegurança alimentar, esta redução chegou a ser de mais de 85% dos alimentos saudáveis”, pontuou a especialista. 

Para a especialista, os números mais recentes já indicam que o Brasil voltou para o mapa da fome da ONU, quase seis anos depois de ter deixado essa triste estatística. “Os dados de insegurança alimentar são alarmantes. Mas é importante destacar que a pandemia da apenas acelera um processo em curso, nos últimos cinco anos no Brasil,  que desconsidera a importância da alimentação na vida da população brasileira”, explicou.

Na última quinta-feira (29), uma reportagem de O TEMPO mostrou situações de extrema miséria como do Jorge Gomes Nonato, 51. Desempregado há seis anos e com a geladeira vazia, o morador de Igarapé, na Grande BH, precisou misturar ração de cachorro com feijão para almoçar e jantar. A renda dele se resume a R$ 150 por mês. ‘A depressão é o que mais me machuca. A depressão vem e a gente fica muito derrotado, sem reação. Agora estão aparecendo anjos e estou começando a ficar feliz”, contou.

Medidas emergenciais

Em nota, a Sedese informou que foram implementadas várias medidas para amenizar os impactos da Covid-19. Entre elas, a pasta citou o Renda Minas, que atendeu quase um milhão de famílias e teve um investimento de R$ 321 milhões. A última parcela do programa foi paga em dezembro de 2020. Além disso, no ano passado, o governo estadual implementou o Bolsa Merenda, com pagamento de R$ 50 mensais a cada estudante da rede estadual de educação.

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados *

Adicionar comentário *

Nome *

Email *

Website